sábado, 21 de julho de 2007

Poltrona 33


E é chegado o dia da viagem. A ansiedade não me deixou pregar os olhos na noite anterior. Cheguei a contestar comigo se não estaria descontando algumas aflições e conflitos internos nesse tal jogo que tinha colocado na cabeça que veria no estádio, principal motivo da viagem. Ás 10:30 de uma manhã ensolarada de quinta-feira estou eu, então, subindo no ônibus com a certeza que aquele tempo que ficaria ali dentro me serviria para refletir comportamentos ríspidos e desconhecidos até então, mas que haviam se evidenciado no início da semana. Como de costume estou sentado na última poltrona da esquerda ao lado da janela e com a poltrona vizinha vazia, como de costume também, pois a maioria das pessoas prefere ficar no meio do ônibus, e desde que descobri isso só escolho o fundão. Saquei da mochila um livro que a minha avó havia me indicado e emprestado : "O caçador de pipas". Comecei a ler no momento em que o ônibus deixava a rodoviária. Há tempos um livro não prendia tanto a minha atenção. Ele falava sobre a relação entre dois amigos onde um se doa o tempo inteiro e o outro (narrador) se indaga se retribuiria tal dedicação e verdadeira devoção pelo tal amigo. Para não conviver com esse constante "peso na consciência" ele decide por cortar relações com o amigo pois fazia mal a ele o egoísmo imprimido naquela amizade já de tão longa data. Na mesma hora me veio a na cabeça a imagem da minha mãe. Pensei na dedicação com que ela cuidou de mim todos esses anos, de todo o sacrifício que ela faz pra que a gente tenha algum conforto aqui em casa. Lembrei o quanto ela foi forte quando se separou do meu pai, e do quanto a gente se uniu nos momentos de abandono, humilhação e vazio depois da separação. Me fiz a mesma pergunta que o narrador se faz no livro: " Será que eu faria o mesmo por ela?". Acho que é disso que ela se refere quando diz que mãe é uma só. Misteriosamente o ônibus para desviando a minha atenção do livro e das minhas reflexões. Entra um policial militar de arma e tudo e sem opção vem a se sentar na poltrona ao lado da minha. Me cumprimentou discretamente e não falou absolutamente nada durante todo o trajeto. Fiquei pensando se ele era realmente tímido ou se tinha receio de que eu tivesse uma opinião formada sobre a policia militar e suas chacinas, suas propinas e suas cocaínas. Me perguntei como uma pessoa poderia acordar todo dia sabendo que a população não confia no seu trabalho muito menos na sua dignidade. A medicina acaba me ajudando nessa angústia de achar que eu tenho a obrigação de ser reconhecido e respeitado pelo povo, porque eu sei que dessa forma poderei retribuir um pouco de toda a devoção que minha mãe tem por mim. Filhos respeitados por méritos alcançados é tudo que ela sonhou pro seu futuro e eu acredito estar no caminho certo. Alcançamos a cidade grande e o último pensamento que me ocorre antes de descer do ônibus é tentar achar a explicação para o estado atual do rio tietê. Como uma maravilha natural e com uma importância histórica impar pode estar tão degradada e tão desrespeitada. É mais ou menos a situação dos idosos na nossa sociedade. A história não parece mesmo estar entre o top 100 da lista das importâncias do nosso povo, ficando bem atrás da nova vitrine da loja que vende as marcas da moda. Bom, é hora de descer do ônibus e torcer pro meu primo estar me esperando ali fora, poque se nãoooo...FUDEU...
Obrigado pela paciência e pela atenção... Neto

Um comentário:

Léo Castro disse...

É muito bom ver cada vez mais Pensantes contribuindo com a Feira. E cada texto, cada depoimento é como um raio-x da alma do escritor.
Neto, esse texto é a tua cara. Não é de se estranhar que conhecendo um ao outro como a gente se conhece eu consiga ler teu texto com outros olhos.
Muito bom. Espero que esse blog sirva pra nos ligar cada vez mais. Tenho certeza que isso vai acontecer.